sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Episódio 41

O tempo passava e o casal estava cada vez mais unido. O amor puro que existia entre os dois era tão simples, mas, ao mesmo tempo, era inexplicável. Os dois nunca brigavam. Até discutiam, mas sempre conversavam muito, o que fazia com que eles se aproximassem cada vez mais. Seus pensamentos e vontades eram muito parecidos. Quando discordavam em algo, um acabava contribuindo mais com a idéia do outro. Era disso que os dois mais gostavam. Sempre tinham novidades interessantes para contar um para o outro. Aprendiam muito juntos. Jaciara percebia que Varre Tudo era o cara ao lado de quem ela queria envelhecer. Ele a respeitava muito. Ela retribuía.

Jaciara e Varre Tudo se tornaram tão próximos que pareciam irmãos. Eles achavam a maior graça quando entravam em alguma loja e o balconista dizia algo como: “Sua irmã também quer ver alguma coisa?”.

Varre Tudo havia feito a escolha certa ao ficar na COVAT. Ele até foi promovido. Passou a ser coordenador da varrição. Muito feliz, com um salário melhor e podendo continuar convivendo diariamente com seus amigos, ele decidiu que iria realizar seu sonho e se inscreveu para o vestibular da universidade da cidade.

Varre Tudo e Jaciara haviam passado um final de semana muito romântico, visitando a cidade de Novo Paraíso, no interior do estado. Ao chegar em sua casa, confiante no amor que sentia por Jaciara e com quase um ano de namoro, Varre Tudo estava certo de que passaria toda sua vida ao lado de Jaciara. Ele ligou para a amada.

- Alô!

- Jaci! Tu vai tá muito ocupada amanhã?

- Varre! O que tu quer? Tu acabou de me deixar em casa!

- Eu sei... É que eu preciso te contar uma coisa! - disse ele.

- Conta, ué.

- Não... não é assunto pra falar por telefone. Mas é coisa boa, tá!? Amanhã passo na reciclagem, pode ser? - pedia ele muito ansioso.

- Pode sim.

- Tá, então! Beijo!

- Beijão!

Quando Jaciara chegou na reciclagem, ao invés de ir direto separar o lixo, ela foi verificar a quantidade que havia chegado. Ela viu um violão, bastante quebrado. Ele não teria mais utilidade, como grande parte do lixo que ali chegava. Mas ela ficou observando. Pensou em quantos bares aquele instrumento teria soado acordes tristes emocionando pessoas, e ainda, em quantos shows o violão teria soado notas de alegria divertindo o público.

Enquanto seu pensamento vagava, Varre Tudo Chegou com uma caixinha cheia de mudas de flores.

- Oi amor! Que é isso!? - perguntou Jaciara vendo o que o namorado trazia.

- Eu sei que é normal presentear a namorada com um ramalhete, mas eu fui comprar flores e não conseguia escolher nenhuma. Quando eu achava uma bonita, lembrava do teu rosto e aí eu percebia que nenhuma flor é tão bonita quanto a minha namorada.

- Ah... Seu bobo! - disse Jaciara com as bochechas bem vermelhas e um sorriso que deixava Varre estonteado.

- Aí, eu achei que trazer essas mudas de Amor-Perfeito era muito mais bonito. Eu vou dar elas pra ti cuidar. E quando estas flores crescerem, elas vão ficar iguaizinhas ao nosso amor. Perfeito! - explicou Varre.

- Varre! - disse Jaciara num espanto – Eu tive uma idéia! Tá vendo aquele violão!? Eu vou tirar essa parte aqui, ó, – disse ela apontado para o lado onde ficava a boca do instrumento – vou colocar terra dentro e vou plantar as flores aqui! Assim, o violão vai fazer a gente lembrar daquela música linda do Chico que tocava quando começamos a namorar!

- Que bonito, Jaci... bom, eu queria...

- Varre! Tenho outras idéias! Eu posso aproveitar boa parte desse lixo pra fazer alguns enfeites, umas esculturas! Imagina que legal! Vou virar artista plástica. Que tal? - dizia, esquecendo que Varre Tudo estava lá para lhe contar algo.

- É você é uma pessoa muito criat...

- Eu vou começar agora mesmo. Vou juntar o que tiver de mais colorido e vou fazer milhões de formas. Depois eu organizo uma exposição e isso pode se tornar mais uma fonte de renda! - continuava ela.

- Jaci, eu...

- Ah! Tu veio aqui pra me falar alguma coisa, né!? - dizia Jaciara tentando demonstrar interesse, mas sua mente já imaginava o local, data e hora de sua exposição.

- É... bom... eu queria te pedir... hum... pedir – dizia ele num embaraço que Jaciara não entendia – não, não, pedir não. Na verdade eu só queria te contar que saiu o resultado do vestibular e que eu passei!

- Nossa Varre! Parabéns! Mas, então, quem deveria estar te dando flores era eu! Ah! Parabéns, querido! Vamos lá! Vamos ver essa “enciclopédia ambulante” mostrar seu conteúdo! Parabéns, Varre!

Varre Tudo foi embora, sem dizer o que realmente queria ter dito. Achou melhor. Ele pensaria em uma forma melhor de dizer para a namorada tudo o que precisava ser dito. Na hora certa, no momento certo.

Um mês depois Jaciara já tinha 32 esculturas. Ela poderia fazer sua exposição e esse seria o primeiro passo para ela começar a vender seu trabalho. Estava tudo programado.

No sábado, à noite, na sala de exposições do Centro de Cultura Ms. Pedro Dalsoglio, as autoridades municipais estavam todas presentes. Prefeito, secretários, vereadores, dirigentes e funcionários da COVAT, representantes de entidades e professores e alunos das quartas séries das escolas da rede municipal de ensino.

Magali estava presente, ela havia achado alguém que gostava de festas e bailes funk igual a ela. Era Junior, que havia se recuperado. Ao lado de Josias, estava Shirley, com um barrigão de oito meses. As melhorias que aconteceram na COVAT possibilitaram que o sonho da menina se tornasse realidade. Logo que engravidou, ela havia convidado o amigo Josias para ser padrinho. Claro que ele aceitou. Eram grandes amigos. Abelhão chegou em cima da hora, ela tinha passado na casa de Arzelina para buscá-la. Ela estava aposentada. Abelhão chamou a atenção quando entrou, pois usava terno e distribuía panfletos. Depois de liderar a greve junto com Varre Tudo, ele sentiu que poderia melhorar outras coisas naquela cidade e havia se candidatado a vereador pelo Partido Ambiental. Jéferson abraçou a causa. Ele estava fazendo estágio na secretaria da COVAT e cursando o primeiro semestre do curso de direito.

- E aí Junior, agora vai ficar só com uma, é! – intrometeu-se Abelhão.

Junior ficou sem jeito e deu apenas um sorriso amarelo. Para sorte dele, Magali, distraída observando o que as pessoas vestiam, não ouviu.

Varre Tudo faria o protocolo. Ele anunciou a exposição denominada por Jaciara como “Jogando Lixo na Arte” e passou a palavra para a namorada.

- Boa noite a todos. É com muito prazer que eu recebo vocês nesta exposição. Quero agradecer a presença de todos aqui e, gostaria de agradecer especialmente às escolas, já que, nesta data, eu não estou apresentando apenas o meu trabalho. Para que o lixo seletivo seja cada vez mais reaproveitado, nós vamos lançar o Concurso Recicle e Reutilize seu Lixo. Todos os alunos das quartas séries das escolas municipais vão poder participar.

Depois de Jaciara explicar o concurso e apresentar seu projeto, Varre Tudo passou a palavra para o prefeito.

- Saudações, caros amigos! Eu quero dizer, primeiramente, que estou muito orgulhoso desta cidade pelo trabalho que vem sendo feito em relação ao lixo. Estou orgulhoso, inclusive, da greve. Graças à paralisação dos nossos varredores, nossa população criou consciência e está sendo educado ainda em casa, fazendo a separação corretamente. Agora, este projeto de reutilização do lixo, me deixa ainda mais orgulhoso. - discursava o prefeito - Por tudo isso, quero aproveitar este momento para anunciar que na próxima semana o nosso município estará recebendo o 8° Prêmio José Lutzemberger de Preservação Ambiental!

Todos aplaudiram e vibraram com a notícia.

- Então, no próximo sábado, pela manhã, quero que todos estejam lá na prefeitura para receber este prêmio, que é de todos nós. Especialmente você, Jaciara, pois eu quero que você receba o prêmio das mãos da governadora e que este prêmio fique lá na sua reciclagem, em homenagem a este seu projeto maravilhoso! Parabéns e muito obrigado!

Jaciara encheu os olhos de lágrimas. Ao vê-la, Varre Tudo mal conseguiu continuar o protocolo. Mas era justamente agora que ele precisava falar.

- Antes de liberá-los para prestigiar a exposição eu preciso fazer uma quebra de protocolo - dirigiu-se para Jaciara e continuou - Jaci, eu gostaria que você viesse aqui do meu lado.

Jaciara aproximou-se do namorado. O rosto de Varre Tudo estava muito corado, ele suava e mal conseguia segurar o microfone na mão de tanto que tremia. Respirou fundo, olhou nos olhos dela e começou.

- Jaciara, tu é uma pessoa que merece muito esta conquista. - ele pôs a mão no bolso - Eu queria te dizer que eu espero que você continue com estes projetos, sempre pensando em melhorar cada vez mais nossa sociedade. Eu quero sempre poder estar do teu lado prestigiando cada uma destas conquistas e realizando outras junto contigo. Eu te amo simples e verdadeiramente e, por isso, eu quero saber, Jaciara, se tu quer se casar comigo!? - perguntou tirando a mão do bolso e mostrando um anel de brilhante para Jaciara.

Os presentes mal ouviram o sim que Jaciara disse baixinho, quase desmaiando com a emoção gerada pela surpresa. Mas, pelo beijo que os dois se deram, todos entenderam a resposta e aplaudiram o casal que concretizava cada vez mais o seu amor.

FIM!

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Episódio 40

Varre Tudo despertou de repente e, assim que abriu os olhos, um feixe de luz quase o cegou. Eram os primeiros raios de sol, que já adentravam a sala através do vidro da janela, cuja cortina estava aberta. Chico havia parado de cantar já fazia muito tempo, mas o aparelho de som continuava ligado, acusando o término do CD. Varre Tudo pensou em levantar-se do sofá, mas antes preferiu ficar mais alguns minutos observando Jaciara, que ainda estava adormecida sobre seu peito. Ele mal podia acreditar no que havia acontecido. Tentou recordar-se de como havia pegado no sono na noite anterior, porém a última lembrança que vinha à sua mente era o beijo de Jaciara. Ah, o beijo! Aquele momento ficaria para sempre gravado em sua memória. Sentiu-se invadir por um sentimento engraçado, uma mistura de felicidade, embaraço e ansiedade. Sua vontade era abraçar Jaciara o mais forte possível e mantê-la sempre próxima a si. Ao perceber que ela estava acordando, disse, meio sem jeito:

– Bom dia, Jaci!

Jaciara demorou alguns segundos para compreender a situação, onde estava, o que fazia na casa do amigo aquela hora da manhã e o como tudo havia acontecido. Assim que tudo fez sentido, ela respondeu:

– Bom dia, Varre!

– Acho melhor a gente levantar e começar a se arrumar para o trabalho – disse Varre Tudo. – Senão, vamos chegar atrasados.

– Que horas são? – perguntou Jaciara, ainda um pouco deslocada.

– Já deve ser mais de seis horas – respondeu.

Os dois levantaram e começaram a se arrumar. Varre Tudo estava envergonhado com a situação, principalmente pelo fato de ser visto por Jaciara logo após acordar todo amassado depois de uma noite de sono. Ela também não conseguia disfarçar que estava sem jeito por ter passado a noite ali. Mesmo assim, a felicidade de ambos era perceptível. A expectativa de que se encontrassem novamente era grande e, enquanto tomavam café da manhã, Varre Tudo perguntou:

– Jaci, tu tem algum compromisso pra hoje de noite, depois de sair lá da reciclagem?

– Hoje de noite? Não, não tenho. Por quê?

– É que eu tava pensando...o que tu acha se a gente sair pra jantar e, depois, quem sabe, for ao cinema? – perguntou Varre Tudo.

– Acho uma ótima idéia, Varre! – respondeu ela. – Podemos ir, sim. Eu saio da reciclagem às seis da tarde, daí consigo ir pra casa me arrumar e fico pronta às sete horas. Pode ser?

– Claro! Vou passar lá na tua casa às sete horas, então. Fica combinado! – disse Varre Tudo, contente por saber que logo mais, no final do dia, poderia ver Jaciara novamente.

Assim que terminaram o café, deixaram a casa de Varre Tudo para mais um dia de trabalho. Despediram-se com um abraço e com um beijo tímido no rosto. Jaciara caminhou até a parada de ônibus mais próxima e Varre Tudo seguiu a pé em direção ao Parque dos Sabiás.

Ao chegar, Varre Tudo apanhou seus utensílios de trabalho e, cantarolando, foi ao encontro dos colegas Shirley e Josias, que já começavam a varrer em torno do playground. Sentiu-se feliz por, depois de tantos dias tumultuados, estar de volta à rotina normal de trabalho no parque, junto aos amigos. Aproximou-se dos varredores e cumprimentou-os, com um largo sorriso no rosto e grande empolgação:

– Bom dia, pessoal!

– Bom dia, Varre Tudo! – responderam eles.

– Qual o motivo de tamanho bom humor e felicidade logo de manhã cedo? – perguntou Josias.

– Pois é! O que foi que aconteceu pra te deixar tão contente? – perguntou também Shirley.

– Ué?! Tô normal. Não aconteceu nada de mais. Apenas tô feliz porque estamos iniciando um dia de trabalho tranqüilo, depois de tudo o que passamos em função da greve, dos incêndios dos contêineres e tal. Estou satisfeito pelo fato de estarmos em paz, simplesmente! – respondeu Varre Tudo.

– Hum...sei. Tem certeza que nada mais aconteceu? Nadinha de nada? – insistiu Shirley.

– Tá bom, tá bom. Além de estar feliz porque tudo voltou ao normal, também tem outra coisa que aconteceu que me deixou ainda mais feliz. – confessou Varre Tudo, meio enrolado com as próprias palavras. – Mas só vou contar se vocês me prometerem que vão guardar segredo!

– É claro que a gente guarda segredo, né, Varre Tudo! Agora conta logo que coisa foi essa que aconteceu pra te deixar tão alegre! Conta, vai! – insistiu Shirley.

– Bom, ontem de noite a Jaciara apareceu lá em casa. Ela disse que tava com alguns problemas, que precisava conversar. Daí, a gente sentou, começou a conversar, ela revelou que tava pensando em mim fazia algum tempo e, de repente, a gente se beijou! – contou o varredor.

– Não acredito! É sério!? Nossa! Nunca imaginei que tu e a Jaciara fossem ficar juntos! Sempre pensei que tu gostava da Magali. – disse Shirley, surpresa com a revelação.

– Pois é...eu também achava que gostava da Magali, mas eu estava errado. Outra noite acompanhei ela até em casa e percebi que não era apaixonado. Na verdade, eu não a conhecia direito e, depois que a gente conversou, me dei por conta de que não temos muitas coisas em comum. – explicou Varre Tudo.

– Pra tu ver como é a vida. Às vezes a gente se descobre apaixonado por uma pessoa que antes era apenas uma amiga. Acontece! – disse Josias.

– É verdade! Mas eu ainda nem contei pra vocês a melhor parte! – disse Varre Tudo, empolgado. – Eu e a Jaciara vamos nos encontrar de novo hoje de noite. Combinamos de sair juntos, vamos jantar e depois ainda vamos ao cinema!

– Ah, que chique! – disse Shirley. – Já são praticamente namorados, então!

– É...ainda não, mas quem sabe. – disse Varre Tudo encabulado.

– Ah! Varre Tudo tá namorando! Tá namorando! Tá namorando! – cantarolou Josias enquanto dançava com a vassoura de um lado para o outro.

– Pára, Josias. Não enche o saco do Varre Tudo! – disse Shirley.

Ao longo da tarde, Varre Tudo e os colegas trabalharam normalmente. Enquanto varriam as áreas recreativas e as vielas do parque, comentavam entre si como o dia estava calmo e agradável. Até mesmo o trabalho estava mais leve, já que, após o término da greve, os esforços coletivos para tornar a cidade limpa outra vez acabaram por incentivar a população a fazer a sua parte e auxiliar na manutenção da limpeza. Assim, havia se tornado raro a equipe de varrição do parque encontrar lixo atirado no chão ou na grama. Agora, eles limitavam-se a varrer e recolher as folhas secas que sempre compuseram o cenário do parque. O mesmo acontecia nas ruas. Os varredores estavam encontrando muito menos lixo e resíduos espalhados pelo chão, prova de que a população realmente estava se esforçando para cuidar da cidade e mantê-la organizada.

Depois do horário de trabalho, Varre Tudo se despediu de Josias e Shirley, que lhe desejaram boa sorte no encontro com Jaciara, e seguiu direto para casa para tomar um bom banho e se arrumar. Estava superansioso para rever Jaciara e, por isso, ficou pronto com bastante antecedência. Certificou-se de que havia passado perfume, penteado bem o cabelo e escolhido a melhor roupa para a ocasião. Daí, sim, sentou-se no sofá, o mesmo em que havia adormecido com Jaciara em seus braços na noite anterior, e ligou a televisão a fim de passar o tempo. A cada cinco minutos, Varre Tudo fitava seu relógio de pulso. As horas, os minutos e os segundos pareciam se arrastar. Só conseguia pensar em Jaciara, em seu rosto, seus trejeitos, sua maneira meiga de falar. Tudo nela lhe parecia encantador.

Quando o relógio marcou 18h e 45min, Varre Tudo levantou do sofá em um salto. Era hora de sair para buscar Jaciara. Calculou que 15 minutos seriam o suficiente para chegar a sua casa. E ele estava certo. Exatamente às 19h, Varre Tudo chegou em frente à casa de Jaciara. Tocou a campainha. Ela o atendeu prontamente. Estava linda, vestida com uma calça jeans e uma blusa lilás, os cabelos um pouco soltos e um pouco presos por grampinhos da mesma cor. Cumprimentaram-se com o mesmo beijo tímido com o qual se despediram de manhã e seguiram pela rua de mãos dadas. No caminho, Varre Tudo sugeriu um restaurante que conhecia, próximo dali. Ao chegarem lá, foram conduzidos por um garçom a uma das mesas, onde começaram a folhear os cardápios. Depois de fazerem o pedido, engataram uma conversa sobre o futuro de Varre Tudo.

– E o que tu pretende fazer, Varre? Já conseguiu te decidir se vai ficar na COVAT ou se vai mesmo pra Guarda Municipal? – perguntou Jaciara.

– Pois é, Jaci, já faz tempo que eu penso nisso e não consigo me decidir. Claro, logo depois que passei no concurso fiquei feliz em ter conseguido a vaga, afinal o salário é mais alto e tem outros benefícios também. Mas, nas últimas semanas, muitos acontecimentos me deixaram indeciso. Com toda a mobilização da greve, as conquistas dos trabalhadores e, agora, com a população se conscientizando cada vez mais a respeito do lixo e da limpeza, me sinto orgulhoso de trabalhar como varredor da COVAT. – explicou Varre Tudo.

– Que legal, Varre! Realmente, se não fosse principalmente pelo seu empenho e do Abelhão nas negociações durante a greve, não teríamos conquistado aqueles benefícios todos, nem o aumento do salário. – disse Jaciara.

– É por isso que eu penso em ficar na COVAT. Por muito tempo estive indeciso, mas cheguei a conclusão de que devo ficar onde estou. Não estou mais interessado naquela vaga na Guarda Municipal. Vou continuar como varredor da COVAT e confiar no meu futuro e no meu crescimento dentro da empresa. – disse Varre Tudo.

– Muito bem. Se tu decidiu, está decidido. Deve fazer o que é melhor para ti. O que o teu coração manda. – aconselhou Jaciara.

– É mesmo. E outra coisa que meu coração está me mandando fazer no momento, além de permanecer na COVAT, é ficar perto de ti o máximo de tempo possível. – disse Varre Tudo, que ficou corado assim que as palavras escaparam de sua boca.

Jaciara ficou encabulada com a declaração de Varre Tudo, mas, ao mesmo tempo, abriu um sorriso imenso, deixando transparecer sua felicidade. Os dois jantaram e, depois, passaram um bom tempo de mãos dadas, conversando e trocando afagos. Varre Tudo se deu por conta de que estava, realmente, apaixonado por Jaciara. Talvez ele já fosse antes, mas nunca havia percebido. Sempre tratara Jaciara como uma amiga, apenas. Agora, estava decidido de que ela passaria a ser sua namorada. Não havia mais dúvidas. Após sair do restaurante, o casal foi para o cinema, onde compraram ingressos para conferir um dos clássicos que Varre Tudo tanto queria assistir. A noite não poderia ter sido melhor.

quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Episódio 39

Varre Tudo saiu caminhando lentamente pela cidade. Já era tarde e então decidiu apressar o passo, pois amanhã era outro dia e ele precisava descansar. Foi para casa e entrou direto para o banho.

Enquanto cantarolava, pensava na vida, em Magali, em Jaciara, e na conversa que tivera com Dona Arzelina. De repente, a campainha insistente atrapalhou seus pensamentos, e ele enrolou-se na toalha para ver quem era.

Ao abrir a porta, Varre Tudo corou.

- Oi Varre, tudo bem? Eu sei que é tarde, mas precisava falar contigo.

Parada do lado de fora, com o olhar entristecido, estava Jaciara.

- Jaci, desculpa, eu, eu... – disse Varre Tudo, sem saber o que fazer naquela situação embaraçosa.

- Entra, senta aí, vou me trocar e a gente já conversa.

Enquanto Varre Tudo se vestia, Jaciara ficou em pé, observando os porta-retratos na estante. Em anos de amizade com Varre Tudo jamais ficara a sós com ele, não conhecida suas histórias, seu passado. Pouco sabia de sua vida.

- Aceita um café? – disse, pegando a amiga desprevenida.

- Ui, que susto! Tava aqui vendo tuas fotos, teus livros. Quanta coisa legal! – disse, recuperando-se da entrada inesperada de Varre Tudo na sala.

- É, pois é, eu gosto de livros. Pena que nunca temos tempo de conversar sobre essas coisas. Mas já que esta aqui, aceita um café? – sugeriu Varre Tudo.

- Não, obrigada. Isso não é uma visita de cortesia. Vim falar contigo sobre minha vida, meus problemas. Tu é a única pessoa que posso confiar nesses últimos tempos. – desabafou Jaciara. – espero que possa me escutar.
Enquanto falava, Jaciara apertou o braço do amigo com força. Ele percebeu que não se tratava de nenhuma “frescura feminina”, mas sim de um assunto muito sério. Colocou um CD do Chico Buarque para tocar, e puxou a amiga para sentar-se ao seu lado no sofá.

- Vem Jaci, vem, senta aqui. Espero que você goste de Chico, me faz muito bem ouvir ele. Posso deixar tocando?

- Claro que sim, eu adoro. – disse Jaciara, que se calou a seguir. Foram os 30 segundos de silêncio mais demorados que Varre Tudo já passara em toda sua vida.

- Varre, tu tem sido um amigo muito bom. Nem sei o que seria de mim sem você nesses últimos dias. Tive uma decepção muito grande com o Juseppe, ainda não me recuperei direito do susto, e agora estou com muito medo de tudo. – falou, sem parar, enquanto mexia os braços e gesticulava.

- Ainda não entendo por que ele aprontou tudo aquilo contigo, quanta sacanagem, quanto ódio! – indignou-se Jaciara.

- Jaci, acontece que eu passei no concurso da guarda, e ele achou que eu ia pegar o lugar dele. Tu sabe como o Juseppe é cabeça dura, e como ele nunca gostou de mim, da minha amizade contigo... hoje eu vejo que ele queria era me prejudicar, mas espirrou pra todos os lados, inclusive em ti. – explicou-se Varre Tudo.

- Entendo, entendo, mas não acredito que eu namorava um cara tão mau caráter. Como eu pude ser tão burra? Tão estúpida... ele com todas aquelas promessas e eu, idiota, acreditava em tudo. – choramingou Jaciara.

- Não Jaci, por favor. Você é perfeita, linda, não há nenhum problema contigo. Tu não pode te culpar pelo Juseppe, ele não te merecia. Tu merece alguém que saiba valorizar o teu amor.

Mais uma vez o silêncio invadiu a sala. Debateu-se nos livros, na estante, e foi quebrado pela voz doce de Jaciara.

- Varre, eu to me sentindo estranha. Não consigo parar de pensar em ti, não sei o que ta acontecendo. Desde aquele dia na praça, quando o Jéferson me contou da gráfica e do envolvimento do Juseppe, as coisas começaram a se confundir dentro de mim.

Varre Tudo estremeceu. Queria dizer que também se sentia estranho, e que talvez tivesse um sentimento maior do que amizade por Jaciara, mas não quis se aproveitar da fragilidade daquele momento. Resolveu trocar de assunto.

- Jaci, eu também estou com muitas dúvidas. Não sei se deixo a COVAT e vou pra guarda. Penso no meu futuro, eu sei que mereço ir longe, mas depois de tudo que aconteceu eu percebo que somente do lado de vocês é que sou forte. E que a amizade de todos é que me faz ser um cara de sucesso. – sorriu Varre Tudo.

- Te entendo, mas as amizades podem terminar por uma razão ou outra. O teu futuro profissional é que está em jogo. Acredito nos teus argumentos e respeito eles, mas independente da tua escolha, pode ter certeza que estarei do teu lado. – disse Jaciara, secando a lágrima que teimava em cair.

- Que bom Jaci. Acho que minha decisão já esta tomada, mas prefiro não falar ainda. – explicou-se. Aproveitando o momento de troca de confidências, resolveu arriscar e apostou alto.

- Mas sobre aquele outro assunto Jaci... – disse, respirando fundo. – eu também sinto algo diferente por ti. Não sei explicar, mas às vezes tenho vontade de te ver toda hora, sinto falta do teu cheiro, da tua risada. Eu fico feliz quando estou contigo. – confessou.

Jaciara sorriu, apertando os olhos, e não disse nada. Varre entendeu aquele sorriso, e desviou o olhar para o chão. Quando voltou a fitar Jaciara nos olhos, os rostos se aproximaram até os lábios se tocarem, lentamente. Na sala, Chico cantava “deixe em paz meu coração/ que ele é um pote até aqui de mágoa/ e qualquer desatenção, faça não/ pode ser a gota d’água”. Abraçaram-se e acomodaram-se no sofá. Sentiram tanta paz que fecharam os olhos e Jaciara encostou a cabeça no peito de Varre Tudo, até ouvir seu coração bater acelerado. O cansaço chegou sem que percebessem, e os dois caíram no sono.

Episódio 38

A noite estava estrelada e a lua cheia tomava conta do céu com todo o seu esplendor. Varre Tudo caminhava lentamente com as mãos nos bolsos, pensando em Jaciara. Ele sentiu o vento brincando com seus cabelos e de repente o sorriso de Magali tomou conta de seus pensamentos. Varre pensou que seria bom passear a noite na beira do Rio dos Passos de mãos dadas com Magali, sentindo o perfume dela e contemplando seu sorriso lindo, ir ao cinema com ela e assistir os grandes clássicos, levar ela até o estádio e compartilhar a paixão pelo futebol. Ele se deu conta que há muito tempo não pensava em alguém assim e que talvez fosse a hora de dar uma chance para o destino. Varre continuou perdido em pensamentos, enquanto passava pela praça Pio X. A noite estava tão agradável e bonita que ele decidiu comprar um sorvete e sentar em um dos bancos para apreciar a lua. Varre nunca tinha namorado sério, estava sempre em casa estudando e cuidando de sua mãe. Lembrou das palavras dela: filho larga um pouco os livros, tem que sair, conhecer gente nova. Ele sorriu. Sua mãe como sempre estava certa. Ele sentiu saudades e um aperto no peito.

- Tô me sentindo tão sozinho! – suspirou.

Varre Tudo tinha dado prioridade aos estudos, e ainda queria realizar o sonho de se tornar Engenheiro Ambiental. Por isso estava tão confuso em deixar a COVAT. Sua vida estava ligada ao lixo, à varrição, à reciclagem e à conscientização. Varre acreditava que a educação ambiental, que tinha ganhado força e incentivo com a greve na cidade, era o primeiro passo. Mesmo assim, se sentia só e decidiu que ia convidar Magali para sair.

- Até que ponto vale a pena ficar sozinho? Vou mesmo dar uma chance ao destino! – pensou sorrindo.

Mas Varre sabia que antes disso precisava colocar a cabeça no lugar. Afinal, tinha que descobrir porque Jaciara não saía de sua cabeça, mesmo quando estava com Magali. Varre estava confuso, acreditava que a preocupação com a amiga era mais forte que a atração que sentia pela linda moça sapeca e tagarela. Ele continuava pensativo quando percebeu que do outro lado da praça uma equipe de garis limpava as escadarias da Igreja Nova Rita Santa com suas vassouras de pêlo. Varre nunca tinha notado como era mágico contemplar os detalhes dos uniformes da COVAT. Todos eles tinham tarjas que refletiam durante a noite para evitar acidentes. E apesar de conhecer tão bem aquele uniforme, ele ficou espantado enquanto acompanhava o movimento constante das vassouras em contraste com a luz da lua e os cabelos brilhosos das mulheres.

- É fascinante! – exclamou ele.

Garis varriam a cidade todas as noites, e as pessoas simplesmente passavam por elas como se nem as vissem. As mulheres desceram as escadas e passaram a limpar a calçada em frente à Igreja. Elas se moviam com delicadeza e graça, como se estivessem em um palco. Varre contemplava encantado aquele espetáculo. Elas dançavam com sensualidade e sincronia. Ele estava diante de um balé de vassouras. Sorria extasiado. O balé acontecia sempre em todas as ruas da cidade e ninguém parava para contemplá-lo. As moças limpavam cuidadosamente cada pedra histórica daquela calçada, sem nem se dar conta de como era lindo o espetáculo que produziam. Varre viu Magali em meio ao balé.

- Nossa! Ela é linda mesmo!

Ele queria contemplar o balé por mais tempo, mas elas já estavam se afastando em direção ao depósito da COVAT. Magali atravessou a praça e ele sorriu abertamente para ela. A moça sentiu que essa era a chance de conquistar Varre e ela não iria deixar passar.

- Oi Altayr! Tu veio me ver? – perguntou ela empolgada.

Varre corou! Ela era muito espontânea e ele super tímido.

- Tava indo pra casa, aí vi esse espetáculo. Quando varrem parece um balé de vassouras!

- Como tu é fofo! – disse ela, beijando a bochecha dele.

- Se tu diz. – falou sem graça.

Ela sorriu e deu a mão para ele. E os dois seguiram em direção da casa dela. Magali era tagarela, mas estava calada. Ela estava pensando que queria estar com Varre, mas também queria curtir as festas no fim de semana. Magali estava apaixonada, mas na verdade tinha medo. Ela sabia o quanto eram diferentes e Varre ainda não conhecia essas diferenças.

- O que tu tem? É sempre tão falante! – perguntou.

- Eu tava pensando. Tu sai bastante? Curte pagode, funk, música sertaneja?

- Não saio muito não! E curto mais rock.

- Ah, tu não iria comigo no baile funk? – pediu ela – enquanto dançava na frente dele.

- Talvez. Mas não sempre! Por quê?

- Olha só! Sou super direta! E te acho o cara mais fofo dessa cidade. Se preocupa com as pessoas, tem consciência e tudo mais. Tu tem noção que fez a cidade entrar em greve, tem liderança e não tem vergonha de trabalhar com o lixo. É o genro que minha mãe pediu a Deus!

- Pára Magali! Assim eu fico sem jeito! – corou ele.

- É verdade. Eu tenho vergonha de ser “lixeira”. Odeio usar esse uniforme e só não tirei esse trapo para vir pra casa, porque queria passar mais tempo contigo. – falou.

- Por que tem vergonha? Te falei que esse uniforme é lindo. Pareciam bailarinas!

- Fala sério! Eu só faço isso pra ter grana e curtir minhas festas. – disse ela, séria.

Varre pensou em Jaciara e mais do que depressa mudou de assunto:

- Magali, que tal a gente ir no cinema? Tá passando uma coletânea de filmes clássicos que marcaram a história do cinema? – pediu ele.

- Não gosto muito de filmes velhos. – disse ela.

- Então vamos para a Capital? A Feira do Livro está ótima, quero comprar algumas novidades em literatura infanto-juvenil sobre meio ambiente. O que acha? Passamos a tarde juntos. – perguntou empolgado.

- Aí, Altayr! Passar a tarde juntos! Adorei a idéia. Aproveito para comprar a biografia daquela funkeira, super famosa, como é mesmo o nome dela?

O celular de Magali tocou e, enquanto ela tagarelava com a amiga, combinado a festa do fim de semana, Varre Tudo a olhava atentamente. Ela era bonita e meiga, mas não tinham nada a ver um com o outro. Ela o abraçou e começou a falar da roupa que ia usar no baile funk. Eles chegaram a casa dela e ele esperou enquanto ela dava tchau para a amiga. Magali ficou na ponta dos pés para beijar os lábios de Varre Tudo, mas ele lhe deu um beijo na testa e a puxou para os seus braços. Varre a soltou depois de um longo e carinhoso abraço e sem dizer nada desceu as escadas. Ela entendeu e o olhou intensamente enquanto ele ia embora. Magali sabia que Varre Tudo jamais brincaria com os sentimentos dela. Ela também percebeu o que ele ainda não sabia. Não foram apenas as diferenças que tinham impedido aquele beijo. Os pensamentos e o amor de Varre Tudo eram dedicados à outra moça. Magali fechou a porta atrás de si, enquanto as lágrimas escorriam por sua linda face.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Episódio 36


E voltou. As pessoas podiam deixar suas janelas abertas, pois não havia mais aquele cheiro terrível na cidade. A quantidade de insetos também foi reduzida e os ratos sumiram. O esforço e a união da população de Nova Rita Santa deixou a cidade limpa em exatos cinco dias. A limpeza foi feita principalmente pelo esforço de entidades sociais e das escolas. Depois do trabalho ter sido feito, os alunos ficaram muito curiosos querendo saber para onde era destinado todo aquele lixo:
- Profe! Se, em uma semana de greve, a cidade acumulou todo esse lixo, quanto será que a gente produz em uma ano?
- Caramba profe, onde vai parar todo o nosso lixo?
- Nossa! Eu sei que grande parte do lixo seco é reciclada e que o lixo orgânico é posto no aterro, lá no bairro São Cristóvão. Mas explicar o processo... eu não sei, não – disse Claudete, a professora.
Curiosa e prestativa em esclarecer corretamente as dúvidas de seus alunos da 7ª série, a professora aproveitou que a escola ficava pertinho do Parque dos Sabiás, onde ela sempre via os varredores, e foi até lá durante o recreio.
- Moço! Você pode me dar um minuto de atenção?
- Oi!? - respondeu Varre Tudo.
Varre Tudo deu todos os detalhes à educadora. Quando ela voltou para a escola entrou em contato com a COVAT e agendou uma visita à empresa para a manhã seguinte.
A folia no ônibus escolar era grande. Dia de passeio geralmente era assim. Chegaram primeiro à sede da COVAT. Mateus, o assessor da companhia atendeu os estudantes e disse que acompanharia o passeio pela Estrada do Lixo.
- Bom dia, pessoal! Como vocês já devem ter estudado, sabem que nosso município tem 296 mil habitantes, certo? Bem, todos os dias, nós produzimos 250 toneladas de resíduos. A maior parte, é de lixo orgânico, cerca de 210 toneladas. Esse lixo vai parar lá no Aterro Sanitário Municipal de São Cristóvão. O lixo seco, que é seelecionado, é distribuído gratuitamente para 10 associações de recicladores – explicou o Mateus.
Na sede da COVAT, os estudantes puderam ver como funciona o mecanismo dos caminhões que recolhem o lixo dos contêineres automaticamente. Viram também que os carros e caminhões da empresa são lavados com a água de uma açude do local.
Seguindo o passeio, o ônibus se dirigiu até a Associação dos Empregados pela Reciclagem. Ali, Jaciara explicou todo o processo, destacando que a entidade separava cerca de 5 toneladas de lixo por dia para, depois, vender. Os estudantes entravam tampando o nariz e se espantavam quando percebiam que não havia cheiro de lixo no local. Assim, entendiam que na reciclagem a maior pare do lixo era seco e não produzia odor.
O último ponto da Estrada do Lixo seria o aterro. Chegando lá, os estudantes conheceram Seu Roque e os sete cachorros que o acompanhavam durante o dia de trabalho. Aí, sim, começaram as caras feias para o mau-cheiro.
- Éca! Quanto Lixo! - reclamava um aluno.
- Apesar de vocês estarem pisando na grama, vocês não deixam de estar sobre uma montanha de lixo – destacou Mateus.
- Bécks! Que nojo! - reclamou outra aluna.
- Antes de o lixo chegar aqui, o terreno é preparado. É feito um isolamento com uma camada de argila e depois é colocada uma manta plástica, parecida com uma lona, é a geomembrana de pead. Esse “plástico” é formado por resinas virgens, que depois se integram à terra – instruía Mateus – Os caminhões descarregam o lixo, que chega a ter uma altura de quatro metros. O lixo é prensado com a ajuda das máquinas. Sobre o lixo vai mais uma camada de argila, outra de brita, outra de terra. Aí, a grama é plantada. O chorume, que é aquele liquido que sobra do lixo, é drenado para uma estação de tratamento.
- E o que é isso, que solta uma fumacinha? - perguntou uma estudante.
- Esses são os queimadores. Eles permitem que o biogás seja liberado e queimado. Todo dia, o Seu Roque passa pelo aterro para verificar se os 22 queimadores estão acesos.
Impressionadas com o processo, o cheiro e a quantidade de lixo, os adolescentes seguiram até o ônibus para retornar a escola. Muitas outras turmas passaram a conhecer a Estrada do Lixo. Na escola, todo lixo passou a ser separado corretamente.

quinta-feira, 25 de outubro de 2007

Episódio 35


Enquanto Abelhão, Shirley e Josias tentavam reanimar o amigo Varre Tudo, a quadrilha, formada por Catarina, Maurício, Capitão do Mato e Juseppe, embarcava nos carros da polícia. Todos seriam levados à delegacia, onde ficariam presos até que o caso do tráfico das aves, do incêndio dos contêineres e do seqüestro e da tentativa de homicídio de Jéferson fosse investigado e solucionado. Assim que Varre Tudo se recompôs do choque, seguiu com os amigos para o hospital Santa Lúcia, para onde a ambulância havia levado seu primo Jéferson. No caminho, o grupo de varredores, que seguia no mesmo carro, conversava sobre os últimos acontecimentos:
– Nossa, Varre Tudo! Quando teu primo entrou na sala de reuniões da prefeitura daquele jeito, todo machucado e queimado, eu levei o maior susto da minha vida! – disse Abelhão ao colega.
– Nem me fala, Abelhão! Tô muito preocupado com o Jéferson. E pensar que meu primo poderia ter morrido nas mãos daqueles desgraçados. Foi muita sorte ele ter conseguido se salvar. Se Deus quiser, ele ficará bom logo! – exclamou Varre Tudo.
– E quem diria que o Capitão do Mato estaria envolvido nessa história toda. Essa foi uma grande surpresa. – afirmou Josias. – Ele sempre foi rabugento e mal-educado com a gente, mas nunca imaginei que fosse capaz de participar uma coisa dessas. – completou o varredor.
­– É verdade, Josias! Agora começo a entender tudo que anda me acontecendo nas últimas semanas. Encontrar o Capitão do Mato, o Juseppe e mais o assaltante que me roubou a carteira no mesmo bando de criminosos explica muita coisa. Nem acreditei no que estava vendo quando reconheci os três lá na chácara. Foi uma grande surpresa. – disse Varre Tudo.
– Bom, pelo menos eles não vão mais incomodar a gente a partir de agora. E espero que eles recebam a condenação que merecem! – disse Shirley.
Varre Tudo e os colegas passaram poucos minutos no hospital. Somente queriam ter certeza de que Jéferson havia chegado bem e que se recuperaria dos ferimentos. Não podiam demorar, pois precisavam dar continuidade à reunião que decidiria o desfecho da greve. Por isso, Varre Tudo conversou rapidamente com o médico responsável por Jéferson.
– Seu primo não corre risco de vida, mas precisará permanecer no hospital por alguns dias para tratar as queimaduras que sofreu. – explicou o médico.
Varre Tudo nem chegou a entrar na sala onde o primo estava. Apenas observou-o através do vidro. Jéferson estava dormindo, e Varre Tudo achou melhor deixá-lo descansar. Em seguida, rumaram em direção à prefeitura. Um assunto muito importante ainda precisava ser resolvido.
Ao chegarem à sala de reuniões, foram recepcionados e amparados pelo prefeito Mostarda Moura, por Seu Pedroca e pelo presidente da COVAT, Manuel Vargas. Os varredores estranharam a solidariedade e a atenção que receberam. Assim que todos se acomodaram e que Varre Tudo contou às autoridades o que havia ocorrido com seu primo, puderam retomar a reunião.
– Bom, senhores. Estamos aqui reunidos com vocês para entrar em um acordo com os funcionários da COVAT e encerrar essa greve, pelo bem da nossa cidade. – disse o prefeito.
– Ih...já ouvi essa história antes... – cochichou Abelhão no ouvido de Varre Tudo, descrente de que a reunião lhes traria benefícios.
– Estamos dispostos a atender a todas as suas exigências, entretanto, uma delas poderá apenas ser parcialmente atendida. – explicou o prefeito.
– E qual das nossas reivindicações será parcialmente atendida, senhor prefeito? – perguntou Varre Tudo.
– É a questão que envolve o aumento dos salários. – respondeu o prefeito. – Não será possível conceder um aumento de 15%. O máximo que podemos oferecer é um reajuste de 9,5% no valor real dos salários de todos os funcionários da COVAT.
Varre Tudo e Abelhão entreolharam-se por alguns segundos. Varre Tudo pensou que a proposta era justa, visto que todas as exigências seriam acatadas, o que garantiria aos trabalhadores melhores condições de trabalho. O aumento do salário, apesar de não atingir o percentual desejado, já faria a diferença na renda das famílias que tiravam o sustento do lixo. A decisão estava tomada. Abelhão acenou para Varre Tudo positivamente com a cabeça, autorizando o amigo a aceitar a proposta.
– Tudo bem! Aceitamos os 9,5% de aumento nos salários se tivermos a garantia de que as demais reivindicações serão atendidas prontamente. – declarou Varre Tudo às autoridades.
– Ótimo, senhores! Eu, como prefeito, lhes dou a palavra. As exigências serão atendidas imediatamente. – afirmou o prefeito, satisfeito com o desfecho da reunião.
– E também há outra coisa que precisa acontecer imediatamente. – disse Seu Pedroca aos funcionários. ­– Precisamos voltar ao trabalho agora mesmo! A cidade precisa do empenho de todos os funcionários da COVAT. Temos que reunir esforços para deixar Nova Rita Santa limpa e organizada novamente!
– Com certeza, Seu Pedroca! Pode contar com nós! Vamos fazer tudo o que for preciso pra colocar a cidade em ordem! – empolgou-se Varre Tudo.
– E quantos dias vocês acham que serão necessários para varrer todas as ruas, recolher todo o lixo e deixar a cidade limpa? – indagou o presidente, Manuel Vargas.
– Bom, precisamos estabelecer uma meta! – afirmou Varre Tudo. Se organizarmos um mutirão pela limpeza da cidade, mobilizando todos os funcionários da COVAT, sejam eles varredores, coletores ou capinadores, acredito que em cinco dias de trabalho seremos capazes de deixar Nova Rita Santa brilhando!
– Muito bem! Em cinco dias Nova Rita Santa voltará a ser a cidade exemplo do Estado em questão de limpeza, coleta de resíduos e preservação ambiental! Está na hora de retomar o serviço! Mãos à obra, pessoal! – exclamou Seu Pedroca.
Varre Tudo e Abelhão saíram da sala de reuniões. Estavam satisfeitos com o resultado. Agora se sentiam mais valorizados e respeitados não só pela empresa para a qual trabalhavam, mas também por toda a população de Nova Rita Santa. A importância de seu trabalho havia sido reconhecida. Estavam muito mais motivados para exercer suas funções e, principalmente, para retomar suas atividades depois dos benefícios conquistados com a greve. Ao chegarem ao lado de fora da prefeitura, os dois varredores comunicaram aos demais trabalhadores da COVAT que lá estavam reunidos o resultado positivo da reunião. Todos se abraçaram e comemoraram a conquista. Em meio à algazarra, Varre Tudo, como líder dos grevistas, pediu que todos prestassem atenção ao que tinha para dizer.
– Pessoal! Temos uma missão muito importante neste momento. Nossas exigências foram atendidas, mas diante da situação da cidade não temos tempo para ficar aqui comemorando. Vamos celebrar nossa vitória ajudando na limpeza de Nova Rita Santa. Temos cinco dias para deixar tudo impecável! Por isso, precisamos retomar o trabalho imediatamente! – determinou Varre Tudo, cuja fala foi seguida de aplausos calorosos.
A partir do anúncio de Varre Tudo, todos os trabalhadores dirigiram-se à sede da COVAT com o intuito de se prepararem para o mutirão de limpeza que movimentaria a cidade nos próximos cinco dias. Os coletores embarcaram nos caminhões da coleta de lixo orgânico e seletivo e os varredores apanharam seus carrinhos, vassouras e pazinhas. Os capinadores, ao invés de exercer sua função rotineira, foram servir de reforço na varrição das ruas centrais, visto que a sujeira nesses locais era muita para que os apenas 123 varredores conseguissem dar conta de todo o trabalho. Além disso, a população foi incentivada a colaborar com o mutirão de limpeza. Quem se disponibilizasse, poderia varrer a calçada em frente à própria residência. Se cada um fizesse a sua parte, a meta de reorganizar a cidade em cinco dias seria facilmente cumprida. Era preciso, então, a colaboração e participação de todos os habitantes. Só assim Nova Rita Santa voltaria a ser uma cidade bela e agradável para se viver.

quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Episódio 34


A população estava perplexa com os acontecimentos da última semana. Nunca Nova Rita Santa andara tão agitada, com greves, tráfico, atentados. A população estava assustada. Enquanto Shirley e Varre Tudo conversavam, tocou o celular dela: era Seu Pedroca, avisando que na manhã seguinte haveria uma reunião às 7h30min na Prefeitura. Os colegas comemoraram a ligação, e ficaram imaginando qual seria a nova proposta para que a greve chegasse ao final.
É sexta-feira, 7h, e Abelhão é liberado pela polícia. Corre para a Prefeitura e quando encontra os colegas fica sabendo da reunião. Varre Tudo indaga sobre a prisão, sobre o bem-estar do colega, mas ele não lhe dá ouvidos: está concentrado com a reunião das 7h30min e quer estar preparado para ouvir as propostas da COVAT.
- Vamos lá. Dessa vez vamos conversar como iguais. Não vou baixar minha cabeça para o prefeito e os outros, somos trabalhadores e devemos lutar por nossos direitos. - diz Abelhão, com os olhos brilhando. - Nossa luta não é somente entre COVAT e funcionários, mas também entre todos os trabalhadores e seus empregadores. - concluiu.
Varre Tudo achou estranho seu primo Jéferson não ter aparecido naquela manhã. Jaciara e os outros até comentaram dia desses o empenho e envolvimento de Jéferson com uma causa que nem lhe diz respeito, e Varre Tudo ficou emocionado com a demonstração de amizade do primo.
A reunião começou e Manuel Vargas mostrava-se abatido. Estava cansado após uma semana de cabo-de-guerra com os trabalhadores. Ficou quieto por um longo tempo, enquanto o resto discutia as propostas de ambos os lados.
Enquanto isso, Juseppe dirige freneticamente. Parece um maluco, com Maurício ao seu lado, também com os olhos vidrados na estrada. No banco de trás está Jéferson, amarrado e amordaçado, em meio a galões de gasolina. Foram os 15 minutos mais demorados da vida de Jéferson, que fora arrancado da cama naquela manhã, sem saber porque. Agora, estava ali, prevendo seu fim, e lembrando do dia em que tentara “enganar” Maurício e Cabelera na gráfica. Fechou os olhos com a esperança de que o pesadelo acabasse logo.
O carro parou e Jéferson foi arrancado de dentro do veículo e jogado no chão, em meio a galinhas, porcos e muita sujeira. Não conhecia aquele lugar, mas percebeu que se tratava de uma chácara. Os olhos encheram-se de terra, a boca seca, o corpo dolorido das amarras. Mal conseguia raciocinar quando levou um chute na barriga, que atingiu o rim. A dor era insuportável. Depois de alguns chutes e baldes d'água, ameaças e agressões, Maurício e Juseppe começaram o interrogatório.
- Tu é muito burro né, meu! Tu achou que a gente não ia descobrir que era tu? Quem mandou tu abrir a matraca, hein? - disse Maurício.
- É cara! Tu pensa o quê? Que mexer com a gente é brincadeira de criança? Agora tu vai sofrer as consequências. E pode abrir a boquinha porque quero saber pra quem tu trabalha. - remendou Juseppe, dando mais um chute em Jéferson.
O jovem cuspia sangue e estava semi-consciente. Não queria falar nada, nem entregar seu primo Varre Tudo, mas quando entrou naquela fria jamais imaginara que a história iria tão longe. Jéferson era estudioso, interessado, não queria morrer ali. Tinha um futuro e sabia que Juseppe e Maurício não estavam nem um pouco interessados nisso. Pensou mais um pouco, entre chutes e tapas, e decidiu contar tudo.
- Eu, eu... - disse Jéferson, com a voz rouca, quase sem forças. - Sou primo do Varre Tudo, eu ajudei ele porque a gente tava desconfiado de vocês. Mas pelo visto a gente tava certo, vocês são uns bandidos mesmo. - disse, e arrependeu-se logo em seguida de suas palavras ao levar mais um chute. Dessa vez, desmaiou de tanta dor.
Juseppe e Maurício entreolharam-se. Sabiam o que fazer. Jogaram Jéferson no banco de trás do carro e dirigiram até o centro da cidade. Atiraram o jovem dentro de um contêiner imundo e espalharam gasolina por todo o lado. Riscaram o fósforo e, “delicadamente”, atiraram o palito sem olhar para trás. Ao longe, avistaram a fumaça e riram.
- Assunto encerrado. - sentenciou Juseppe.
Os conteineres e a sujeira ardiam em brasa. Animais que dormiam junto às lixeiras também logo sentiram as chamas. O fogo se alastrava rapidamente, e os contêineres ardiam ao calor das chamas. O cheiro e a fumaça eram insuportáveis, e a população começou a perceber o incêndio. Em meio à confusão, um jovem acorda, de sobressalto. Era Jéferson, que, por milagre, voltou a si após meia hora desmaiado. Quando se deu conta de onde estava e do que estava acontecendo, reuniu as forças que lhe restavam e se atirou para fora do contêiner, com diversas queimaduras pelo corpo e sem acreditar que conseguira sobreviver.
Ao sair, pessoas o fitavam assustadas. Quando foram lhe prestar ajuda, Jéferson disse:
- Me levem até a prefeitura.
Entrou ao trancos e barrancos, ferido, esfarrapado, na reunião da COVAT. Varre Tudo deu um pulo quando viu o primo e correu ao seu encontro. Jéferson contou rapidamente o acontecido, enquanto o prefeito avisava à polícia e ao Corpo de Bombeiros. Seu Pedroca chamou uma ambulância que levou Jéferson para o hospital. Varre Tudo quis ir com o primo, mas ele negou a companhia. Disse ao primo o que ele deveria fazer, agradeceu a preocupação e se foi, acompanhado da equipe da ambulância.
Varre Tudo parou por um minuto. Prendeu o choro. Recuperou-se do baque, entrou num carro da polícia e rumaram à chacara de Catarina. Ao chegarem ao local, encontraram Maurício, Juseppe, Cabelera, Capitão do Mato e o próprio Catarina. Eles tentaram fugir, mas foram capturados pela polícia. Quando Varre Tudo chegou, os cinco estavam algemados, sentados num canto, enquanto respondiam aos questionamentos dos policiais. Surpreendeu-se ao ver Capitão do Mato ali, mas o susto maior foi quando avistou Catarina.
- Meu Deus, é ele. É ele o cara que me assaltou! É ele, meu Deus! - surpreendeu-se Varre Tudo, ao constatar que ele era, também, o homem que tentava assustá-lo na Árvore do Enforcado no Parque do Sabiás. Varre Tudo estava perdido, desolado com tantas surpresas numa única manhã. Sentiu as pernas tremerem e se deixou cair na cadeira.

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Episódio 33


A quinta-feira amanheceu ensolarada. As pessoas que passavam na rua Presidente Castelo Branco, no Centro, paravam espantadas. Cabelera e Maurício chegaram à gráfica de carro e se espantaram com a multidão. Desceram da camionete com cuidado. Eles tinham acabado de vir da chácara do Catarina com um novo carregamento de aves raras. Atravessaram a rua e não conseguiam acreditar no que viam. As gaiolas estavam abertas e espalhadas por toda a rua. A população comentava revoltada a situação das aves.
- Que horror! Em pleno centro da cidade, um lugar desses! Maltratando os bichinhos. Gente sem consciência! E depois reclamam dos garis da COVAT, é por causa de pessoas como essas aí que o mundo está perdido! – reclamava uma senhora.
- Calma, vó! Não é pra tanto também! – disse a jovem.
- Menina! Você já tem 15 anos e ainda não aprendeu! Não é para tanto? Você por acaso sabe que tem pessoas que tiram o sustento da família do lixo? Tem olhado as ruas da cidade? Consegue respirar? Claro que não! Mas tem pessoas que limpam Nova Santa Rita pra ti! E pessoas que sentem esse cheiro todos os dias! – falava severamente para a neta.
- Ai, vó, desculpa! Nunca pensei assim. A senhora tem razão. Vou ligar pra polícia.
Cabelera e Maurício suavam frio, eles atravessaram a rua e fugiram sem serem percebidos em meio a multidão. No caminho decidiram devolver os animais para o Catarina, mas não iriam contar o que tinha acontecido.
- Cabelera! Eu te falei que o cara da responsa ia aprontar, meu!
- Pô, mano! Como eu ia saber! Tinha pinta de malandro! Mas tem volta! – frisou indignado.
Eles seguiam para a chácara e passaram por duas viaturas da Polícia Federal do Meio Ambiente, que tinha uma pequena sede na cidade, justamente porque a cidade era modelo em todo o estado na questão ambiental. Os dois seguiram em frente e suspiraram aliviados enquanto os policiais iam em direção à gráfica. A multidão estava impaciente. Já tinham ligado para a redação do Picadeiro. A repórter chegou e começou a entrevistar as pessoas que estavam na rua. Os policiais entraram na gráfica, acompanhados por Eduarda, repórter do Picadeiro e o fotógrafo Paulo. Enquanto os agentes procuravam provas que os auxiliassem no processo, Eduarda acompanhava atentamente. A situação era deplorável, muitas aves estavam mortas e outras bem machucadas. A moça aguardou os polícias terminarem para poder conversar com um deles. Abordou o mais simpático.
- Então? Tu pode conversar comigo sobre a ação? – perguntou Eduarda.
- É cedo ainda para qualquer conclusão, mas está claro que traficavam aves raras nesse local. Encontramos 20 animais mortos e mais de 30 aves machucadas. E muitas devem ter fugido, pela quantidade de gaiolas lá fora, acredito que tinha mais de 600 aves mantidas em cativeiro aqui. Vamos nos mobilizar e prender os envolvidos. – afirmou o agente Ângelo Almeida.
Depois de conseguir as informações necessárias Eduarda e Paulo retornaram para o jornal. No caminho ela falava toda empolgada das idéias para a manchete do Picadeiro. Juseppe, que morava no bairro dos Jardins, do outro lado da cidade, tinha tirado duas semanas de férias. Ele pretendia ir até a gráfica avaliar o novo carregamento, assinar alguns papéis e pegar dinheiro. Tinha combinado de levar Jaciara até a capital para passarem mais tempo juntos e conversarem. Em Nova Rita Santa não havia condições de passear pelas ruas. O cheiro era insuportável. Fazia uma semana que os funcionários estavam em greve e a população se sentia como se morasse em um lixão. Já eram quase quatro e meia e ele ia buscar Jaci às seis. Saiu e decidiu passar na banca do seu Joaquim e comprar umas revistas. Encontrou um dos vizinhos no caminho.
- E aí Juseppe, me diz uma coisa. Como está aquele guri que perdeu a mão? – perguntou.
- Não sei e nem tenho interesse. Onde já se viu? A cidade imunda, com insetos por todos os lados, tudo por culpa desses garis sem consciência.
- Nossa, Jussepe! Eles têm razão em lutar por melhores condições. Olha só, logo você, que é um colega deles falando assim!
- Não sou colega de lixeiros! – disse.
- Ah! Deixa pra lá. Só sei que apóio eles, e sem os “lixeiros” a cidade vai ficar cada vez pior.
- Tá bom! – exclamou irritado.
Ele foi até a banca e ficou curioso. Várias pessoas estavam comprando o jornal e comentando. Juseppe pegou o jornal e suou frio ao ler:
EXTRA – EDIÇÃO ESPECIAL
Aves raras são encontradas em gráfica clandestina no centro da cidade
A cidade amanheceu diferente na manhã desta quinta-feira, em meio ao lixo acumulado há uma semana, os moradores da rua Presidente Castelo Branco, no Centro, foram surpreendidos ao sair de casa. Em frente à Gráfica Papagaio, uma das mais tradicionais do município, havia mais de 600 gaiolas, que eram usadas para manter aves raras em cativeiro. A Polícia Federal do Meio Ambiente encontrou 20 aves mortas e mais de 30 com diversos ferimentos. Algumas ainda estavam na calçada, sem força para tentar voar e ganhar a liberdade. Além disso, apreenderam pilhas de documentos, papéis falsificados, livros e revistas sobre aves raras e espécies em extinção. Dentro de uma gaveta com fundo falso acharam um bloco de notas frias e um catálogo com os valores cobrados por animal e uma agenda com nomes, telefones e endereços. Os agentes interditaram o local e iniciaram as investigações.

Juseppe sentiu o chão se abrir sob seus pés. Tudo ficou escuro enquanto ele caia para trás, segurando a edição extra do Picadeiro apertada contra o peito.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Episódio 32



Ainda com aquelas roupas, os funcionários da COVAT decidiram conversar com Varre Tudo para saber o plano dele para dar fim à gráfica clandestina de Juseppe. Encontraram um restaurante perto do Parque dos Sabiás e, enquanto almoçavam, Varre Tudo contou o plano.
- Seguinte, galera! Agora que todos já sabem o que o Juseppe faz nas horas vagas, administrando aquela gráfica clandestina, decidi tomar uma atitude radical. Pensei em “assaltar” a gráfica e libertar todos os pássaros que são maltratados e mortos naquele lugar.
- Nossa Varre! Que aventura!! – disse Shirley.
- Ah! Gente. – continuou Varre Tudo. – só não quero que a Jaciara saiba disso agora, prefiro contar para ela depois...
- Certo Varre! Agora conta o teu plano. – disse Abelhão
- Bem, vamos chegar à noite ....
Enquanto Varre Tudo contava a história, outros manifestantes, que tinham saído da praça para almoçar, começaram a correr na frente do restaurante. A agitação chamou a atenção de Josias, que estava olhando pela janela. Ele chamou os amigos e todos saíram em disparada do restaurante.
Quando chegaram na praça, os manifestantes já estavam dispostos como um paredão e, na frente dele, estava o pelotão de Choque da Polícia Militar de Carlo Campo, cidade que fica a 35 Km de Nova Rita Santa.
- Meu Deus! Os homens vieram, temos que chamar o coronel Castilhos, ele prometeu que um confronto entre manifestantes e polícia não iria acontecer. E agora isso! – gritou Abelhão.
Enquanto isso, o pelotão avançava contra os manifestantes. Varre Tudo e Shirley se arrepiaram quando os policiais começaram a bater com o cassetete no escudo de ferro. O som era aterrorizador e eles ficaram com medo do que poderia acontecer. Enquanto isso, Coronel Castilhos gritava no megafone:
- Manifestante! Parem com essa greve imediatamente! Não queremos machucar ninguém, mas se não houver acordo, teremos que usar a força e a repressão!
Abelhão chegou no Coronel para tentar negociar alguma coisa com ele.
- Coronel, não posso dispensar os manifestantes. Eles ainda estão indignados com o que aconteceu com nosso amigo Junior, funcionário da COVAT e ...
- Não quero saber. A ordem é dispensar os manifestantes, a governadora já disse: se não tiver acordo agora, vamos prender os agitadores e dispensar os outros à bala. – disse Castilhos interrompendo Abelhão.
- Mas, coronel, o senhor tinha me prometido ...
- Eu não prometi nada!
- Tudo bem! – disse Abelhão por fim - desse jeito, teremos que enfrentar a polícia e, se alguém morrer aqui, teremos um guerra!
Abelhão virou as costas para o coronel, mas não conseguiu escapar do capitão Oscar que o pegou pelos braços.
- Você está preso pela agitação toda que vem fazendo nos últimos dias e por desrespeitar o coronel Castilhos.
Ao ver que Abelhão foi jogado dentro do camburão e, o fato de ele ser negro, atiçou ainda mais a indignação de todos os manifestantes. Eles começaram a gritar frases de José Luthzenberger e a situação estava ficando cada vez mais delicada. A comissão de greve, formada por Varre Tudo e agora Josias, resolveu marcar uma outra reunião com a direção da COVAT. Mas, antes disso, tinham que negociar com a brigada.
- Coronel Castilhos, gostaríamos de informar ao senhor que aqui todos são trabalhadores e que não queremos que ninguém se machuque. O senhor agora prendeu o Abelhão e, dessa forma, enxergamos que a Brigada não agiu de maneira correta. Vamos ficar aqui, todos os manifestantes e prometemos marcar uma reunião com a direção da COVAT para que possamos terminar a greve. Então, gostaria de pedir ao “senhor” que mandasse os homens embora. – Varre Tudo falou aquelas frases com medo, mas, pensou em Abelhão e nos outros manifestantes, que poderiam sair machucados daquela situação.
- Certo rapaz, mas faço isso, pois recebi ordens de não entrar em confronto.
Os policiais começaram a ser dispensados e Varre Tudo ficou feliz, mas, Abelhão iria passar a noite na delegacia, pois o coronel Castilhos não estava disposto a libertá-lo.
À noite, depois de toda a agitação do dia, Varre Tudo se encontrou com Shirley, Josias, o primo Jéferson e Magali. Eles iriam colocar o plano de libertar os pássaros em prática. Varre Tudo trouxe as toucas de “ninja” e roupas pretas, para que ninguém os reconhecesse se o plano falhasse. Jéferson foi o encarregado de arrombar a porta dos fundos, pois já conhecia o lugar, Shirley e Magali ficaram do lado de fora, para avisar se alguém estivesse chegando, e Josias e Varre Tudo iriam soltar os bichos. Uma agitação tomou conta deles quando Jéferson conseguiu arrombar a porta. Eles entraram e o que viram foi assustador. Alguns animais já estavam mortos. Varre Tudo disse aos amigos que soltaria os animais na rua mesmo. Depois da ação, Jéferson fechou a porta e eles saíram discretamente pela rua escura.

sexta-feira, 19 de outubro de 2007

Episódio 31



Varre Tudo e Abelhão eram os mais decepcionados. Na saída da reunião, nenhum dos dois falava. Os funcionários esperavam alguma ação. Shirley queria consolar os amigos, mas também não sabia o que fazer. Foi Josias quem disse:
- Vamos até o escritório. Nós temos que fazer estes caras perceberem que, ou eles negociam, ou a cidade vai ficar infestada de lixo. Eu sinto muito em ver minha cidade assim! Mas a gente não pode voltar atrás sem uma solução.
- Tem razão! - reanimou-se Abelhão – Lá, a gente planeja algo para amanhã!
Varre Tudo continuava calado. Os funcionários decidiram que iriam caminhando até a COVAT. O grande grupo chamava a atenção da população, mesmo sem cartazes e sem fazer qualquer manifestação sonora. Alguns moradores observavam indignados, mas o silêncio daqueles trabalhadores parecia barrar qualquer um que quisesse reclamar ou até apoiar. Era uma marcha silenciosa, que deixava a população boquiaberta.
Quando chegaram na sala de reuniões, os funcionários acomodaram-se como puderam, já que o local era pequeno. Varre Tudo e Abelhão ficaram de pé diante dos colegas. Varre Tudo soltou os ombros num suspiro.
- Eu tive uma idéia. Uma vez, na escola, nós fizemos um teatro sobre os insetos. Tem fantasias de mosca e outras de barata. Eu tenho algumas delas na minha casa. Posso conseguir mais! - dizia Varre Tudo empolgado - Amanhã, vamos voltar aqui vestindo essas roupas. Se o Vargas não concordar com nossas reivindicações, vamos para a praça e vamos deixar a população ciente da importância do nosso trabalho!
- Boa idéia! - gritou Abelhão.
Eles decidiram como cada um iria vestido. Algumas mulheres, que sabiam costurar, produziriam fantasias de ratos e bactérias. A reunião terminou quando o encontro ficou marcado para a quarta-feira, às 6 horas da manhã, na COVAT. Eles decidiram que iriam cedo, ficariam lá durante uma hora e, se, nada fosse resolvido, iriam para o centro da cidade e pegariam a movimentação de quem estivesse saindo para o trabalho.
Ratos, baratas, moscas, pragas, bactérias... Os bichos mais terríveis fantasiavam mais da metade dos protestantes, quando chegaram à empresa, na manhã do dia seguinte. Seu Pedroca viu a cena de sua janela e logo foi para fora.
- Chame o Vargas! Nós queremos falar com ele! - ordenou Varre Tudo.
- Mas... Mas... - Seu Pedroca baixou a cabeça – Vargas foi para a capital hoje...
- Então vamos para a praça – gritou Abelhão erguendo o braço direito e voltando-se para os colegas.
Todos gritavam ao mesmo tempo:
- Se não houver uma solução!
A cidade vai virar lixão!
Assim que a COVAT acordar,
A cidade nós vamos limpar!
Seu Pedroca não sabia se impedia o grupo, ou não. Mas ele estava sozinho e ninguém ia ajudá-lo. O grupo seguia.
No centro da Praça Pio X, Varre Tudo subiu em um banco. Abelhão acompanhou o amigo. Varre Tudo era uma barata e Abelhão um rato gordo. As pessoas que passavam pela praça achavam graça nas fantasias e se aproximavam pensando que algum evento infantil estava acontecendo. A maioria ouvia o que os varredores diziam e ficava por aí. Outras poucas pessoas ignoravam.
- Nós precisamos do apoio da comunidade! Nós não queremos que a cidade fique cheia de insetos e muito menos de lixo! Queremos que vocês compreendam que a cidade produz uma quantidade enorme de lixo e que o nosso trabalho é muito importante para que ele tenha a destinação correta! - explicava Varre Tudo - Nós estamos cansados! Queremos o apoio de vocês! Quem puder se manifestar de alguma forma, sempre ajuda! Entrem em contato com a COVAT e reivindiquem! Assim que eles atenderem nosso pedido, prometemos que esta cidade vai voltar a ficar limpa e ser o exemplo que sempre foi.
Um homem que passava, ouviu o protesto, mas não concordou com o que estava sendo dito e se manifestou.
- Vocês é que são os responsáveis por essa bagunça que a cidade está se tornando!? Não têm vergonha? Isso é politicagem! Vocês querem mesmo é aparecer! Deixem de fazer farra na praça central e vão recolher o lixo! - disse o homem jogando uma embalagem de sorvete no chão – Olha só! Vocês merecem mesmo um aumento! Mais trabalho para os garis! Mais trabalho para os garis! – gritava satirizando.
Abelhão não suportou, ficou muito nervoso.
- Tomara que o senhor fique bem doente! Mais trabalho para os médicos! Mais trabalho para os médicos! - retrucava Abelhão.
Varre Tudo tentava acalmar o amigo. O homem estava indo embora e Abelhão gritava a frase de José Luthzenberger:
- Na hora, digo o que penso, boto para fora. Uso a emoção. Se alguma coisa me excita, falo excitado. Se me agridem, passo a agredir – acalmou-se e finalizou - Mas não sinto raiva ou ressentimento.
Varre Tudo está empolgado. Ele pára um pouco e lembra de tudo o que passou nos últimos dias. Ele lembra das falcatruas de Juseppe e não compreende como Jaciara, uma menina tão sincera e cheia de boas intenções, pode ser tão próxima de um cara mau caráter como ele. Outro dito que sua mãe repetia lhe vem a memória: “A vida é muito curta para ser pequena”. Assim, ele decide que a partir desse dia consertaria tudo que estivesse errado. E ia começar pela gráfica clandestina de Juseppe.
Um clima constrangedor pairou na praça depois da discussão. Eles decidiram encerrar o protesto. Antes de ir embora, Varre Tudo revelou para os colegas o que acontecia nos fundos da Gráfica Papagaio. Contou a todos que tinha um plano e que precisava da ajuda deles. Os funcionários aceitaram.